sexta-feira, 28 de junho de 2013

Éramos Todos Negros



Ler e Refletir
Éramos todos negros

  Até ontem, éramos todos negros. Você dirá: se gorilas e chimpanzés, nossos parentes mais chegados também são, e se os primeiros hominídeos nasceram justamente na África negra há 5 milhões de anos, qual a novidade?
    A novidade é que não me refiro a antepassados remotos, do tempo das cavernas (em que mediamos um metro de altura), mas as populações europeias e asiáticas com aparência física indistinguível da atual.
    Trinta anos atrás, quando as técnicas de manipulação do DNA ainda não estavam disponíveis, Luca Cavalli-Sforza, um dos grandes geneticistas do século 20, conduziu um estudo clássico com centenas de grupos étnicos espalhados pelo mundo.
    Com bases nas evidencias genéticas encontradas e nos arquivos deontológicos, Cavalli-Sforza concluiu que nossos avós decidiram emigrar da África para a Europa há meros 100 mil anos.
    Como os deslocamentos eram feitos com grande sacrifício, só conseguiram atingir as terras geladas localizadas no norte europeu cerca de 40 mil anos atrás.
   A adaptação a um continente com invernos rigorosos teve seu preço. Com o faz desde os primórdios da vida na Terra sempre que as condições ambientais mudam, a foice impiedosa da seleção natural ceifou os mais frágeis. Quem eram eles?
   Filhos e netos de negros africanos, nômades, caçadores, pescadores e pastores que se alimentavam predominantemente de carne de animal. Dessas fontes naturais absorviam a vitamina D, elemento essencial para construir ossos fortes, sistema imunológico eficiente e prevenir enfermidades que vão do raquitismo à osteoporose; do câncer, à infecções, ao diabetes e às complicações cardiovasculares.
    Há 6.000 anos, quando a agricultura se disseminou pela Europa e fixou as famílias à terra, a dieta se tornou sobretudo vegetariana.
    De um lado, essa mudança radical tornou-as menos dependentes da imprevisibilidade da caça e da pesca; de outro, ficou mais problemático o acesso às fontes de vitaminas D.
    Para suprir as necessidades de cálcio do esqueleto e garantir a integridade das demais funções da vitamina D, a seleção natural conferiu vantagem...

    A você que se orgulha da cor da própria pele (seja ela qual for), tenho um conselho: não seja ridículo.

  ...evolutiva aos que desenvolveram um mecanismo alternativo para obter esse micronutriente: a síntese na pele mediada pela absorção das radiações ultravioletas da luz do sol.
   A dificuldade da pele negra de absorver raios ultravioletas e a necessidade de cobrir o corpo para enfrentar o frio deu origem às forças seletivas que privilegiavam a sobrevivência das crianças com menor concentração de melanina na pele.
   As previsões de Cavalli-Sforza foram confirmadas por estudos científicos recentes.
   Na universidade Stanford, Noah Rosemberg e Jonathan Pritchard realizaram exames de DNA em 52 grupos de habitantes da Ásia, África, Europa e Américas.
   Conseguiram dividi-los em cinco grupos étnicos cujos ancestrais estiveram isolados por desertos extensos, oceanos ou montanhas instransponíveis: os africanos da região abaixo do Saara, os asiáticos do leste, os europeus e asiáticos que vivem a oeste do Himalaia, os habitantes de Nova Guiné e Melanésia e os indígenas das Américas.
   Quando os autores tentaram atribuir identidade genética aos habitantes do sul da India, entretanto, verificaram que suas características eram comuns a europeus e asiáticos, achado compatível com a influência desses povos na região.
   Concluíram, então, que só é possível identificar indivíduos com grande semelhanças genéticas quando descendem de populações isoladas por barreiras geográficas que impediram a miscigenação.
   No ano passado, foi identificado um gene, SLC24A5, provavelmente responsável pelo aparecimento da pele branca européia.
   Num estudo publicado na revista ¨Science¨, o grupo de Keith Cheng sequenciou esse gene em europeus, asiáticos, africanos e indígenas do continente americano.
   Tomando por base o número e a periodicidade das mutações ocorridas, os cálculos iniciais sugeriam que as variantes responsáveis pelo clareamento da pele estabeleceram-se nas populações europeias há apenas 18 mil anos.

   No entanto, como as margens de erro nessas estimativas são apreciáveis, os pesquisadores tomaram a iniciativa de sequenciar outros genes, localizados em áreas vizinhas do genoma. Esse refinamento técnico permitiu concluir que a pele branca surgiu na Europa, num período que vai de 6.000 a 12 mil anos atrás. A você, leitor, que se orgulha da cor própria (seja qual ela for), tenho apenas um conselho: não seja ridículo.